A Jacinta, ia leda, bem fermosa mas
pouco segura, com o seu vestidinho vermelho, perdida nos seus pensamentos a
trautear umas modinhas, quando deu de caras com um duende da floresta que lhe
propôs um trato.
- Formosa donzela – disse em tom
mavioso o duende – onde vais?
- Vou a casa minha avozinha, e tu quem
és que não te conheço? – replicou a Jacinta.
- Sou Rui o duende livre e tenho uma
proposta fantástica para te fazer, queres ouvir-me?
- A minha mãe disse-me para não dar
ouvidos a estranhos, mas estou curiosa, diz lá então!
- Com este trato se o assinares, serás
livre, serás tratada como uma princesa, terás um pajem, que te seguirá para
todo o lado, não terás de fazer grande coisa, é só estar sentada no palácio do
parlapié, numa grande sala que eles lá têm, numa confortável cadeira com um
computador com Internet, tudo de borla, depois é andar pelos corredores do
palácio do parlapié a fugir aos chatos dos arautos e dizer que já os avisastes
de que não falas, de resto nada demais, poderás usar belos vestidos de cores
garridas, penteados amalucados e tudo o que quiseres, poderás passear as tuas
poses pelo palácio do parlapié e fingir que entendes daquilo e ainda serás
muito bem paga por isso.
- Hum, só isso, tu não estarás a
tentar enganar-me duende Rui?
- Não – continuou o duende a sua
arenga – claro que não estou a enganar-te, primeiro porque tu serás
completamente livre, farás parte de uma grande família, o partido Liberto, de
quando em vez lá no palácio existirão umas votações, coisa simples é só
levantar o braço e pronto...
- Mas isso implica que eu tenha de
saber alguma coisa sobre aquilo que se está a votar – diz a Jacinta com ar
assustado.
- Não te assustes – diz o duende,
recostando-se no ramo de um belo castanheiro – nós os duendes livres, sim
porque não sou apenas eu, somos muitos, estaremos sempre em contacto contigo, a
comunicação e orientação superior será permanente, dar-te-emos todas as
indicações que precisares para votar, não precisas de pensar muito, aliás não
precisas sequer de pensar, nós damos-te os papéis já prontos e tu só tens de os
entregar a tempo, simples não é?
- Realmente é tentador – diz Jacinta
já quase convencida – diz-me Rui, e posso também escrever nos jornais, dizer
umas coisas sei lá falar da minha terra e assim?
- Ó Diabo, com assim falar da tua
terra, então tu não és de cá?
- Pois sou, quer dizer, como se diz lá
pelas Américas, sou marciano descendente, e gostava de vincar esse aspecto...
- Pronto tá bem, eu depois arranjo-te
uma coluna para escreveres umas coisas, no jornal onde escrevo, não sei se já
viste o “Jornal de Todos” tenho lá uma crónica onde escrevo umas e ideias e
tal...
- Infelizmente nunca li nada teu, mas
prometo que o vou fazer! Outra coisa, e que ganhas tu com isso – pergunta
desconfiada Jacinta ao duende Rui.
- Ganhar, ora bem, quer dizer... –
tartamudeou o duende visivelmente engasgado – não ganho nada, ora essa, nós
apenas achamos que também tu deves ser livre, pois então, a tua liberdade é a
nossa paga, pois é isso, está bom de ver, pois claro!
- Não será por eu ser donzela, zanaga
e maneta e além disso ser verde?
- Por quem nas tomas cachopa – diz o
duende Rui fingindo indignação – podias até ser branca, gaga ou néscia, que
estaríamos na mesma a querer-te a ti...
- Então diz-me onde assino – declara a
Jacinta entusiasmada.
Firmado o pacto, a Jacinta lá foi
eleita para o Palácio do Parlapié, o Duende conseguiu o que queria, ter acesso
a esse palácio, de onde o haviam arredado e onde tarde ou nunca conseguiria
voltar, lá deram um elfo pateta à boa da Jacinta, que a seguia para todo o lado
com a sua bela saia plissada e meia verde, um pouco pateta o ar, mas foi o que
se pode arranjar.
No primeiro dia lá foi a bela Jacinta
com o seu vestidinho vermelho, mais o seu elfo de saia plissada, caminhando
para o palácio do parlapié, entretanto já com os portões do palácio à vista por
detrás de uma moita sai-lhe ao caminho um lobo, com ar de rapazolas beto.
- Olá formosa donzela, que fazes por
aqui?
- Olá, quem és tu – disse a Jacinta
gaguejando assustada.
- Ó bela donzela sou o lobo André –
disse a misteriosa personagem enquanto fazia uma vénia repenicada – também vais
para o palácio do parlapié, se quiseres posso fazer-te companhia pois também
vou para lá...
- Podes mas aviso-te já que não
embarco em aventuras, para mim chega!
- E tu achas, bela donzela, que eu
André te levava numa ventura qualquer, uma iniciativa liberal qualquer sem eira
nem beira, jamais, ouve bem, jamais, eu sou um lobo com princípios... chega de
gente sem princípios! E segredou-lhe algo ao ouvido.
A Jacinta arregala os olhos e soltam
uma torrente de impropérios capazes de fazer corar um camionista, pegou no elfo
pateta pela mão e abalou direito à entrada do Palácio sem dar cavaco ao lobo
André. Que despeitado olhou para ela gritando-lhe.
- Ó Jacinta vai-te catar...
Entretanto ouve-se a sineta do palácio
a chamar os eleitos para a sala da conversa, o grande salão onde todos se
sentam a dar à taramela sobre assuntos patetas horas sem fim, sem préstimo que
se lhe veja, mas assim é o uso daquela terra, Jacinta e André terminaram por
ali a conversa e seguiram apressados...
Mas o Diabo, esse velhaco e reincidente urdidor de tramóias, tece artimanhas várias e
estende armadilhas inimagináveis, a arrogância, a falta de tacto fazem o resto,
pouco tardou portanto para que a pobre Jacinta andasse de candeias às avessas
com o duende Rui, percebeu a pobre donzela que era pouco livre, percebeu que
estava impreparada, logo falha de competência para o bom desempenho do cargo
que lhe tinham oferecido, que aquilo tinha muito era de subordinação, pior é
que ela dizia que fora eleita sozinha, o mérito era só dela, ditos que
chatearam ainda mais os duendes livres, perplexa andava a Jacinta – afinal que
queriam agora todos aqueles duendes livres – pensava ele enquanto caminha com o
tonto do elfo a reboque tropeçando na saia...
Não podemos levar nada a mal à coitada
da Jacinta, pois no fundo ela não passa de uma miúda deslumbrada, como muitas
outras miúdas deslumbradas deste mundo, calhou apenas que esta miúda
deslumbrada seja uma das falantes do palácio do parlapié do Reino da Fantasia,
o que só torna a farsa ainda mais risível. Feliz Natal
Um abraço natalício deste vosso amigo
Barão da Tróia
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