Um
destes dias, lia num jornal diário, um artigo sobre cinema, a notícia era sobre
mais um filme ou documentário ou lá o que era, versando a realidade dos ditos
“bairros sociais”, o que quer que isso seja, isso da realidade dos bairros
sociais ou mesmo o que são bairros sociais, conceito pateta.
Entrevistado
o autor da peça cinematográfica, recorria aos lugares comuns e chavões do novel linguarejar progressista, libertário e coisa e tal da actualidade para trazer à
baila o palavreado do costume da discriminação, do gueto e mais não sei o quê,
naquela conversa da treta que já enjoa.
É
o enésimo documentário ou filme ou lá o que era sobre o tema, mais do mesmo,
resumindo-se a isto, pretos, azuis, castanhos ou cor-de-rosa às bolas são uns
coitadinhos e os brancos são uns pulhas racistas e xenófobos, pronto, junte-se
a isto muito “Rap”, Hipo não sei o quê e outras sonoridades da mesma igualha e
está feito, depois é só esperar que as agendas politiqueiras das Esquerdas
libertárias peguem no tal filme e o promovam a obra-prima da sétima Arte e
farol da luta contra a discriminação, contra a opressão e coiso e tal, diga-se
entretanto “en passant” que foram os porcos racistas brancos que com o dinheiro
dos seus impostos permitiram a este autor, e bem diga-se, tudo em favor da
liberdade artística, dar largas à sua criatividade.
Depois
dei comigo a pensar, em como teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século
passado, os putos do meu bairro, eu incluído, termos tido a sorte de aparecer
algum autor que quisesse fazer um documentário sobre a nossa realidade, sobre
como eu vivia numa casa sem banheira nem chuveiro, só apareceu um chuveiro lá
por casa no início dos anos 90, quando finalmente houve desafogo financeiro
para o fazer, porque os banhos eram de alguidar com água aquecida ao lume do
fogão, e essa era a realidade de muita gente daquela rua, na casa ao lado da
minha a casa de banho era uma barraquinha de madeira, assente por cima de um
regato que por ali passa ainda a céu aberto, onde antes haviam rãs e girinos
hoje há apenas merda e ratazanas, mas adiante.
Como
teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte
de aparecer algum cineasta que quisesse fazer um documentário sobre, como íamos
usando as roupas remendadas até à exaustão, porque escasso era o dinheiro,
felizmente já não se ia descalço para a escola, mas os sapatos eram igualmente
remendados pelo sapateiro que ficava ao fim da rua o saudoso senhor Raposo.
Como
teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte
de aparecer algum autor que quisesse fazer um documentário sobre, como os
nossos pais se matavam a trabalhar, por ordenados de miséria, como quando
ficavam desempregados a primeira coisa que faziam era agarrar o que aparecesse,
com cara alegre e não ir a correr para o centro de emprego para depois ficarem
a polir esplanadas ou a encerar esquinas como fazem agora. Como teria sido
importante, eu dizer ao autor do filme ou do documentário, que o meu pai por
exemplo, que era motorista, só fugazmente aos fins-de-semana aparecia em casa e
que eu tinha terríveis saudades dele.
Como
teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte
de aparecer algum autor que quisesse fazer um documentário sobre, a doença que
naqueles tempos de penúria quando nos batia à porta era um problema dramático,
recordo por exemplo que uma das minhas irmãs, que veio a falecer com apenas
cinco anos de idade, precisava de uns comprimidos que nessa altura só existiam
em França, fármacos esses que custavam os olhos da cara, nesses tempos só o meu
pai trabalhava, porque a minha mãe teve de ficar em casa a cuidar da miúda, não
passávamos fome, apenas carências, e não existiam quaisquer ajudas estatais,
nem programas disto ou daquilo e muito menos subsídios, só podíamos contar
claro está com a solidariedade da vizinhança, esses eram os únicos laços
sociais daqueles tempos, como teria sido importante que o tal autor nos
filmasse.
Como
teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte
de aparecer algum autor da sétima Arte que quisesse fazer um documentário sobre
como a meio dos anos 80 a
droga começou a levar alguns dos amigos da rua ou a condicionar outros que
apesar de continuarem vivos, passaram as passas do Algarve, teria sido tão
importante que um desses autores tivesse desejado filmar a nossa realidade de
bairro pobre, de gente maioritariamente honesta, de cavadores, de pequenos
agricultores, de bate chapas, de gente humilde e trabalhadora, que nunca teve
subsídios, nem vivia a lamentar-se, e que o melhor legado que deixou foi
ensinar-nos a nós seus filhos a valorizar o trabalho, a decência, a
honestidade, o civismo e os respeito pelos outros, valores que infelizmente
muitos de nós perdemos.
Como
teria sido importante, nos anos 70 e 80 do século passado, termos tido a sorte
de aparecer algum cineasta que quisesse fazer um documentário sobre a nossa
realidade, porque hoje esse documentário poderia ser apresentado nos ditos
“bairros sociais” como exemplo de que através do trabalho, do civismo, da
honestidade e do respeito pelos outros é possível viver e ir singrando na vida
sem ficar à espera de subsídios, mantendo a nossa integridade e dignidade
sabendo conviver em e com a sociedade, teria sido mesmo muitíssimo importante,
mas infelizmente não havia ninguém que se interessasse por miúdos portugueses a
viver num bairro pobre nos anos 70 e 80 do século passado de uma a vila de
província, foi realmente pena!
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
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