quarta-feira, setembro 18, 2019

Um simples arroz...


As coisas mais simples e singelas, são muitas vezes as que mais agradavelmente nos surpreendem, tal foi o caso, e é sobre isso que vos vou hoje falar.

A doçaria tradicional portuguesa é um sector sub explorado, os nossos doces tradicionais arrumam a um canto a concorrência, forte que ela também é, mas nós ainda temos produtos muito, mas mesmo muito bons, que o apuro de incontáveis gerações foi aprimorando, é o caso do singelo arroz doce, uma complexa receita simples residindo neste paradoxo a grande valia desta por vezes tão desconsiderada vitualha.

O arroz doce me parece ser uma espécie de parente pobre da doçaria tradicional, recordo-me de ser o prato emblemático das festas de há 40 anos, os pratinhos de arroz doce que se decoravam com motivos feitos com canela moída, ofertando-se aquela ou aquelas pessoas especiais, pessoalmente não sou fã, diz a minha mãe que comi tanto que enjoei, é bem verdade, porque era algo que em puto eu adorava, hoje, nem por isso, posso provar, mas não passo disso uma ou duas colheradas e está feito.

Nesta última semana de Agosto, é por hábito, aqui onde resido, promoverem uma festarola dedicada à gastronomia local, nomeadamente à Sopa da Pedra, coisa de que também não sou muito fã, mas como. Neste festival gastronómico, igual a tantos outros que por esse país fora tentam promover os produtos das terras, o que ainda vai resistindo da quase extinta verdadeira produção artesanal nacional, foi-me dado a provar um fantástico arroz doce, dos melhores que já provei até hoje.

Cauteloso na aproximação ao sápido arrozinho, o processo de prova foi um pouco tumultuoso e tormentoso, dado que foi necessário esperar cerca de uma hora numa bicha de gente ávida de também o provar, tal é a fama do mesmo. Enquanto esperava fui observando a confecção, num grande tacho de alumínio, fervia o arroz, cozido em leite, é verdade caríssimos leitores, o arroz é cozido em leite, lentamente, daí presumo eu o tempo de espera, frente ao tacho, um homem ia mexendo lentamente o arroz, despejando a espaços mais leite, mexendo sempre. Lentamente acrescentando-lhe essa poderosa sabedoria dos antigos que frutifica em sabores incríveis, longe das porcarias processadas industrialmente que hoje nos dão a comer.

Todo esse afincado, cuidadoso e árduo trabalho colocado na feitura do reconfortante doce, revelar-se-ia importante aquando da prova, mas disso falaremos mais adiante, esse importante momento que é a prova, o culminar apaixonado de todo um longo processo em que entra em campo a paixão, o amor pela cozinha, as técnicas milenares e aquele saber artesanal que infelizmente se vai perdendo e que faz com os produtos tenham sabores característicos diferenciados de outros da mesma igualha, que antigamente fazia toda a diferença, ocorrência que infelizmente se vai perdendo neste Mundo formatado até nos sabores onde tudo sabe cada vez mais ao mesmo, onde tudo é normalizado, processado e sensaborão.

Entretanto, a boca dos comensais ia salivando, o povaréu desesperava, a iguaria demorava, lentamente começavam a servir o arroz, apenas um pequeno reparo para a utilização de apetrechos de plástico, prato e talher, coisa que desvirtua a iguaria e lhe prejudica o sabor, ainda assim percebemos que por uma questão logística seja essa a contingência.

Chamam por mim, avanço até ao balcão improvisado daquela tasquinha de festa popular, num tabuleiro fumegam cinco pratinhos de arroz doce polvilhado com canela, o vapor que se liberta invade as narinas e faz chegar ao cérebro uma plêiade de boas sensações que ainda aguçam mais o apetite, vou a salivar confesso, apesar de nenhum daqueles pratos ser para mim, ofereci-me apenas para os ir comprar.

Os comensais atacam, – queres provar – alguém me diz, respondo que sim, escancaro a boca e lá cai uma colherada do manjar, que num explosão de sabores revolve todo o meu palato, o processo de feitura, o constante e cadenciado mexer com uma colher de pau, leva a que o arroz liberte a sua goma natural que vai reagir com a proteína do leite, daí resultando uma textura cremosa fantástica, um sabor requintado onde as notas de canela se misturam harmoniosamente com a casca do limão, numa experiência gastronómica absolutamente fantástica, eu que nem gosto de arroz doce, insisti e comi outra colherada mais generosa, soberbo, valeu bem a espera!

A cara ou caro leitor se um dia rumar a estas paragens do quase extinto Ribatejo, por alturas da última semana de Agosto, venha ao Festival da Sopa da Pedra e procure pelo arroz doce, verá que não se arrepende. Olhe eu que nem gosto muito de arroz de doce mas fiquei rendido!


Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia

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