As coisas mais simples e singelas, são
muitas vezes as que mais agradavelmente nos surpreendem, tal foi o caso, e é
sobre isso que vos vou hoje falar.
A doçaria tradicional portuguesa é um
sector sub explorado, os nossos doces tradicionais arrumam a um canto a
concorrência, forte que ela também é, mas nós ainda temos produtos muito, mas
mesmo muito bons, que o apuro de incontáveis gerações foi aprimorando, é o caso
do singelo arroz doce, uma complexa receita simples residindo neste paradoxo a
grande valia desta por vezes tão desconsiderada vitualha.
O arroz doce me parece ser uma espécie
de parente pobre da doçaria tradicional, recordo-me de ser o prato emblemático
das festas de há 40 anos, os pratinhos de arroz doce que se decoravam com
motivos feitos com canela moída, ofertando-se aquela ou aquelas pessoas
especiais, pessoalmente não sou fã, diz a minha mãe que comi tanto que enjoei,
é bem verdade, porque era algo que em puto eu adorava, hoje, nem por isso,
posso provar, mas não passo disso uma ou duas colheradas e está feito.
Nesta última semana de Agosto, é por
hábito, aqui onde resido, promoverem uma festarola dedicada à gastronomia
local, nomeadamente à Sopa da Pedra, coisa de que também não sou muito fã, mas
como. Neste festival gastronómico, igual a tantos outros que por esse país fora
tentam promover os produtos das terras, o que ainda vai resistindo da quase
extinta verdadeira produção artesanal nacional, foi-me dado a provar um
fantástico arroz doce, dos melhores que já provei até hoje.
Cauteloso na aproximação ao sápido
arrozinho, o processo de prova foi um pouco tumultuoso e tormentoso, dado que
foi necessário esperar cerca de uma hora numa bicha de gente ávida de também o
provar, tal é a fama do mesmo. Enquanto esperava fui observando a confecção,
num grande tacho de alumínio, fervia o arroz, cozido em leite, é verdade
caríssimos leitores, o arroz é cozido em leite, lentamente, daí presumo eu o
tempo de espera, frente ao tacho, um homem ia mexendo lentamente o arroz,
despejando a espaços mais leite, mexendo sempre. Lentamente acrescentando-lhe
essa poderosa sabedoria dos antigos que frutifica em sabores incríveis, longe
das porcarias processadas industrialmente que hoje nos dão a comer.
Todo esse afincado, cuidadoso e árduo
trabalho colocado na feitura do reconfortante doce, revelar-se-ia importante
aquando da prova, mas disso falaremos mais adiante, esse importante momento que
é a prova, o culminar apaixonado de todo um longo processo em que entra em
campo a paixão, o amor pela cozinha, as técnicas milenares e aquele saber
artesanal que infelizmente se vai perdendo e que faz com os produtos tenham
sabores característicos diferenciados de outros da mesma igualha, que
antigamente fazia toda a diferença, ocorrência que infelizmente se vai perdendo
neste Mundo formatado até nos sabores onde tudo sabe cada vez mais ao mesmo,
onde tudo é normalizado, processado e sensaborão.
Entretanto, a boca dos comensais ia
salivando, o povaréu desesperava, a iguaria demorava, lentamente começavam a
servir o arroz, apenas um pequeno reparo para a utilização de apetrechos de
plástico, prato e talher, coisa que desvirtua a iguaria e lhe prejudica o
sabor, ainda assim percebemos que por uma questão logística seja essa a
contingência.
Chamam por mim, avanço até ao balcão
improvisado daquela tasquinha de festa popular, num tabuleiro fumegam cinco
pratinhos de arroz doce polvilhado com canela, o vapor que se liberta invade as
narinas e faz chegar ao cérebro uma plêiade de boas sensações que ainda aguçam
mais o apetite, vou a salivar confesso, apesar de nenhum daqueles pratos ser
para mim, ofereci-me apenas para os ir comprar.
Os comensais atacam, – queres provar –
alguém me diz, respondo que sim, escancaro a boca e lá cai uma colherada do
manjar, que num explosão de sabores revolve todo o meu palato, o processo de
feitura, o constante e cadenciado mexer com uma colher de pau, leva a que o
arroz liberte a sua goma natural que vai reagir com a proteína do leite, daí
resultando uma textura cremosa fantástica, um sabor requintado onde as notas de
canela se misturam harmoniosamente com a casca do limão, numa experiência
gastronómica absolutamente fantástica, eu que nem gosto de arroz doce, insisti
e comi outra colherada mais generosa, soberbo, valeu bem a espera!
A cara ou caro leitor se um dia rumar
a estas paragens do quase extinto Ribatejo, por alturas da última semana de
Agosto, venha ao Festival da Sopa da Pedra e procure pelo arroz doce, verá que
não se arrepende. Olhe eu que nem gosto muito de arroz de doce mas fiquei
rendido!
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
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