terça-feira, outubro 22, 2019

Ele há coisas que neste país…


Ele há coisas que neste país me causam tremenda confusão. Ele há gente neste país que ainda me causa maior confusão. Não os consigo entender, não consigo perceber o seu pensar, se pensam sequer, provavelmente falta-me intelecto, falta-me capacidade cognitiva para divisar tão elevados modos de inteligir, confesso sou um labrego quase analfabeto.

Quando eu invectivo alguém para que não seja racista, nem xenófobo, nem parasita, será que estou a atentar contra a sua liberdade? Quando digo a alguém, que faça por respeitar os outros, que seja civilizado e viva de forma decente sem roubar, assassinar, traficar droga, será que estou a atentar contra a sua dignidade? Quando peço a alguém para viver do trabalho, para pagar os devidos impostos, para não ser trapaceiro ou vigarista, será que estou a sugerir maus exemplos? Quando recomendo a alguém que cumpra as leis, que não deite lixo no chão ou que não estacione em cima dos passeios, que tenha respeito pela propriedade pública e privada, será que estou a ofender a etnia, a raça ou o que quer que seja dessa pessoa?

Pedir a alguém que seja educado, que aja com urbanidade, que seja atencioso e cívico para com os seus concidadãos é ofender esse alguém? Quando faço um reparo a alguém que fez uma asneira, que é mal-educado, que é pouco ou nada civilizado, será que estou a cercear a liberdade dessa pessoa?

O meu interlocutor, olha para mim, capaz rapaz doutorado, do alto da sua cátedra sugere-me que eu não posso impor modos e modelos aos outros e cita um tipo qualquer, eu não arrisco citar ninguém porque os doutores odeiam que nós os labregos também façamos citações, pois se o fazemos somos apenas pedantes, as citações só os doutores podem fazer, os labregos estão excluídos desse acto, logo não o faço.

A sua resposta faz-me rir. Ele olha-me com desdém, excelente rapaz, produto tal como eu do Abril salvífico, que nos permitiu sair da senda da servitude do avoengo ganhão que amanhava as terras do senhor poderoso numa espécie de escravatura quase consentida porque o pobre ganhão não tinha voz. Saído da lama do chão da palhota que por vezes partilhava com o reco, o bisneto ou o neto desse ganhão depois do tal Abril viu abrir-se-lhe a porta da democrática educação que hoje o doutorou, pouco aprendeu porém!

Conversa comigo sobre liberdade, com aquele tom paternalista que só os doutores sabem ter, quando falam com menoridades como eu. Insisto porém na questão. Mas será que eu quando sugiro a alguém esses bons exemplos que acabei de dar estou a ofender essa pessoa? Será que lhe estou a desejar o mal, a castrar a sua determinação, a ofender a sua etnia ou credo, será que pedir para respeitar os bons exemplos, pedir respeito e civismo são coisas que ofendem?

O meu interlocutor continuou a arengar, com os chavões clássicos, do respeito pelas minorias, pelas diferenças culturais, porque torna e porque deixa, entre mais citações, um doutor que se preza faz muitas citações, finalizando com o típico “tu não percebes que...”

Ri-me na sua cara, o que o irritou, as pupilas dilatadas, as veias que palpitavam sobre o queixo, o lábio inferior timidamente a sobrepor-se ao superior, o franzir da testa, o erguer das sobrancelhas mais o ligeiro rubor das faces indicavam que o bom do homem estava a acusar o remoque, decidi quebrar-lhe o ímpeto, ou antes decidi faze-lo explodir.

Então diz-me lá – atirei-lhe de chofre, ciente que a minha seguinte proposta canhestra o iria fazer ferver e apitar como uma chaleira velha – se amanhã, eu ou outros como eu, pegarmos em armas e tentarmos exterminarmos toda esta gentalha, estamos apenas a exercer a nossa liberdade, à luz daquilo que tu advogas, certo? Ou isso que advogas só é válido para os outros? Para os azuis, os amarelos, os kirguizo-descendentes ou checheno-descendentes como agora está na moda dizer, deixando de fora quem é apenas e somente português, o que quer que isso seja?

Os olhos do rapaz estavam esbugalhados, o seu olhar trespassava-me, se pudesse tinha-me dado tratos e polé ali mesmo reduzindo cada osso do meu corpo a migalhas, antecipei-me para não lhe dar sequer tempo de me responder.

- Deixa lá, estava só a efabular – disse-lhe a rir – mas vai pensando nisso, as coisas nunca são unidireccionais, não existem anjos nem demónios, e como sói dizer entre o branco e preto existe uma imensa gama de cinzentos, olha bebe um copo e acalma-te!

Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia

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