Um destes fins-de-semana, fui a Lisboa, andava eu a
passarinhar na estação do Oriente, que costuma ter feiras do livro
interessantes, os preços nem tanto mas o que por lá de quando em vez se
encontra vale a pena, quando topo uma cara conhecida.
Não via a Raquel há uns 20 anos ou coisa que o valha, foi
minha colega na Universidade, não era do meu curso mas fez connosco umas
cadeiras já não me lembro quais, rapariga algarvia de verbo fácil, está igual,
o tempo parece que não passou por ela.
Sentámo-nos à conversa, estivemos bem umas três horas a dar
à taramela, e é dessa conversa que vos quero falar. A Raquel, trabalha numa
CPCJ, quando me confidenciou a medo essa informação, franzi logo o sobrolho –
também tu – atirou-me ela logo de chofre.
Respondi-lhe que sim, também eu, a CPCJ é algo que goza de
uma fama pouco edificante junto da populaça onde claro está, me incluo, coisas
que vou vendo ainda me fazem ficar com pior imagem disse-lhe.
A Raquel olhou para mim, recostou-se na cadeira, dizendo-me
calmamente – tu nem sabes da missa a metade meu amigo! – acredito que sim
retorqui-lhe, olha aproveita que estamos aqui e elucida-me. A Raquel respirou
fundo e as três horas seguintes de conversa foram para mim uma epifania, também
eu seguia pela estrada cego e depois vi a luz, “mea culpa, mea máxima culpa”.
Depois daquela conversa, fiquei convicto de uma coisa, a
CPCJ, por muito má que seja a sua actuação, em muitos casos é-o de facto, ainda
assim é melhor do que não possuir nada.
As várias CPCJ espalhadas por este país, não são uma
entidade homogénea, existem realidades diversas, quer quanto a meios, escassos
em todas, quer quanto a recursos humanos, quer quanto à qualidade desses mesmos
recursos humanos, pois como em qualquer outra instituição, existe gente
excelente, mas também existe gente que não devia estar ali, porque não tem
perfil para desempenhar tais funções.
A maioria das pessoas das CPCJ, tenta pois desempenhar o
melhor que sabe e consegue as suas funções, no entanto confrontam-se com a já costumeira
ineficácia da máquina do Estado, começando numa Justiça lenta, desadequada,
muitas vezes com gente pouco competente que entrava processos, que arquiva
processos, em mais um exemplo de uma sub-cultura de impunidade que grassa por
toda a sociedade.
Se as CPCJ não desenvolvem mais e melhor serviço, a culpa é
tão somente do Estado, leia-se dos políticos e da sociedade em geral que tão
mal tratam as crianças, Portugal é um país que trata mal as suas crianças,
disso não tenho absolutamente dúvida nenhuma, ao falar com a Raquel ainda
fiquei mais convicto disso.
Quem trabalha nas CPCJ assiste quase diariamente ao
miserabilismo social que infesta este país, assiste à violência gratuita, ao
tráfico e sobretudo a essa cultura de impunidade que conduziu uma parte da
sociedade a viver de subsídios sem ter responsabilidades. Quem trabalha nas
CPCJ é espectador privilegiado e por vezes actor da degradação moral de uma
sociedade à beira de implodir, de mudar de paradigma, esqueçam os tais ”brandos
costumes” coisa que aliás nunca existiu. Por outro lado também percebi que como
em qualquer outra actividade humana há o excelente, o bom e o atrozmente
medíocre, sendo a nossa tendência avaliar pela rama, critique-se sempre que se
deva, enalteça-se quando for o caso, a cidadania faz-se de intervenção e de
questionarmos os “poderosos” sobre aquilo que fazem ou não usando o nosso nome.
A conversa com a Raquel serviu para me “abrir os olhos” para
uma realidade da qual só conhecia o superficial, mudando radicalmente a minha
percepção sobre as pessoas e a instituição, endereço pois um grande «Bem Hajam»
às pessoas que fazem das tripas coração e se levantam todos os dias para ir
trabalhar numa qualquer CPCJ.
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
Sem comentários:
Enviar um comentário