Começo por dizer que sou um
tipo relativamente endurecido, mercê de quase meio século de existência, quero
com isso dizer que já não me comovo com facilidade, que me surpreendo ainda com
menos facilidade, ainda que a capacidade humana de se superar em termos de
estupidez seja algo que ainda me consegue surpreender, por isso aqui onde vivo
todos os dias me surpreendo.
Há uns tempos, dirigindo-me
para o meu local de trabalho, parei, como faço sempre numa passadeira, olhei
para a direita e para a esquerda avançando de seguida, ao longe do lado
direito, progredia um veículo acabado de dar a curva começava a engrenar para criar
velocidade, sendo comum, atingirem aqui dentro da localidade mais de cinquenta
quilómetros por hora, mas como o condutor acabara de fazer a curva e estava a
começar a desenfreada aceleração, eu tinha tempo de passar incólume.
De frente para mim, igualmente
avançando, uma miúda de uns doze ou treze anos, trajava uma saia de cor clara,
não usava nem auscultadores nem trazia o telemóvel na mão, tinha parado à
passadeira e feito o mesmo que eu, olhado para um e para outro lado, antes de
atravessar.
Nos pés calçava umas
chinelas, é Verão, quer-se calçado fino e arejado. Pus o último pé na
relativíssima segurança do passeio quando oiço a chiadeira de uma travagem,
olho, vejo o carro passar na sua corrida louca, nunca parando.
No meio da passadeira a
miúda, descalça de um pé ficara transida em pânico, corri para ela,
perguntei-lhe se estava bem, disse-me que sim, que só se tinha assustado,
voltou a calçar a chinela, seguindo o seu caminho.
Quanto a mim passei o resto
do dia com o estômago embrulhado, quase tinha presenciado a morte de uma
criança, foi por pouco, foi por muito pouco que um pai e uma mãe não ficaram
destroçados, podia ser o meu filho.
O que se passou conta-se
rápido e configura alguns dos problemas de que enferma esta nossa sociedade de
energúmenos. A miúda quando atravessa a passadeira, pisa com a chinela uma
pastilha elástica que um qualquer suíno ou suína javardos deitaram ali para o
chão e que com o calor do Sol se torna uma armadilha pegajosa, ao perder a
chinela, pára tentando voltar atrás para se calçar.
Quem conduzia o carro, como
é hábito aqui na terra, conduzia com excesso de velocidade além disso não tem a
menor ideia de como se deve proceder na abordagem a uma passadeira, para além
do pouco respeito pelos peões, pois aqui nesta terra de gente medíocre é raro
ver pessoas que saibam como abordar uma passadeira enquanto condutores, diga-se
em abono de verdade que no que toca aos peões a coisa não é melhor, mas
geralmente os condutores aqui do burgo nunca param, quando muito abrandam ligeiramente,
e lá um em dez pára efectivamente, de resto seguem sempre em frente, casos há
em que se desviam dos peões, saindo da sua mão para continuarem o caminho sem
pararem, esquecendo-se de todo o tipo de coisas que podem suceder, ocorrências
essas que podem fazer com que uma pessoa se detenha em cima da passadeira, ou
até que inverta a marcha a meio do atravessamento, podem por exemplo cair as
chaves ao chão, pode romper-se a tira do saco que carregam, pode a criança que
vai pela mão do adulto soltar-se dessa amarra protectora e fugir, enfim podem
suceder um infindável número de ocorrências que mercê da forma como se conduz
um carro, podem ter um desfecho infeliz, como potencialmente poderia ter sido o
caso desta criança, tudo por culpa de um simples chinela presa no alcatrão.
Vivo infelizmente numa
cidade, que é um paraíso de grunhos, de imbecis e de cretinos, de gente
medíocre, impressionantemente estúpida, nas vossas terras não sei como é, por
aqui é uma tristeza, para lá do brilhos das fotografias das redes sociais mais
dos comentários imbecis que lá pespegam, para lá da maquiagem e dos modelitos,
dos gadgets tecnológicos e até da formação académica que para alguns serviu
para nada, para lá disso tudo, debaixo dessa capa de aparências a realidade é apenas
uma, esta é infelizmente uma cidadezeca com muito grunho labrego, eles e elas
refira-se!
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
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