Diz-nos o excelente «Dicionário de
Expressões Correntes», do injustamente esquecido Orlando Neves, que o
dito «Ao preço da uva mijona» quer dizer «barato ou sem valor». Sendo
que «Mijona» é uma variedade de uva que apresenta bagos de polpa aguada,
moles e com sabor desagradável pouco prestável à cultura do vinho.
Estará por esta altura o dilecto leitor a
cogitar, agitando as suas sinapses sobre o secreto intuito deste
alucinado e medíocre escriba, ao trazer a terreiro tão pouco
significante produto. Pois fique sabendo que a pobre, mal amada e
rejeitada «Uva Mijona» é dos mais importantes e mais procurados produtos
da economia nacional.
Parto de imediato para o esclarecimento
de vossas senhorias, porque já detecto cenhos franzidos, sobrancelhas
levantadas, os caros leitores estão roídos pela dúvida, cogitando quiçá,
em pertinente dúvida, sobre a saúde mental deste vosso amigo
escrevinhador, relevem, relevem o pobre discípulo das Musas, porque
parco em qualidade, tenta por estes artificiosos meios, criar em vós
alguma, creio pouca, curiosidade sobre o que ora aqui se escreve.
Então vamos lá ver, ao início abre-se a
coisa, liga-se à parede e é uma torneira a deitar notícias, por vezes
como as bobines ainda estão frias porque a onda bate na lâmpada e
recua*, a coisa turva, mas depois lá aparecem as carantonhas macilentas
de umas criaturas muito importantes que adoram falar sobre aquilo do que
não sabem rigorosamente nada, neste caso de ”Trabalho”.
Em Portugal toda a gente ou quase toda,
enche a boca com a palavra ”Trabalho”, há uns por aí que no entanto
fogem dele, do Trabalho, como o Diabo da cruz, preferem o subsídiozinho
mensal, no entanto da Esquerda trauliteira à Direita sacrista, ele é um
não mais acabar de discursos, perorações, ditos mais dichotes,
constatações, indagações até sugestões, que nos surgem em verdadeiras
torrentes, em cascatas que quase nos submergem, versando o tema do
”Trabalho”, existe até uma coisa chamada Concertação Social, onde os
interessados, Governo, sindicatos e representantes dos patrões, cozinham
a receita para o ”Trabalho” ou antes para o valor a atribuir aquilo de
que todos vivem, no caso, ao trabalho dos outros, pois nesta dita
concertação, os concertados vivem em exclusivo do trabalho dos outros,
sobre essa fonte de rendimento opinam e ditam regras, é de morrer a rir
este país.
Ora nesse coito de concertados o produto
mais procurado para ser o condimento essencial de um melhor e mais
produtivo ”Trabalho” é a singela e aparentemente pouco atractiva Uva
Mijona.
Senão vejamos, os Governos desunham-se
para terem funcionários ao preço da Uva Mijona, aquela conversa da
“geração mais qualificada”, da necessidade de mais doutorados, da
necessidade de mais formação e de conhecimento, pois é tudo conversa é
apenas um dar ar à boca mediático para encher jornais e telejornais, na
verdade os Governos procuram, professores, polícias, enfermeiros entre
outros ao preço da Uva Mijona, felizes ficam quando conseguem fazer um
licenciado altamente qualificado trabalhar 35 ou 40 horas por mil Euros
ou pouco mais.
As Câmaras Municipais e restantes órgãos
autárquicos, despeitados pela atitude dos governos centrais, alinham
pela mesma bitola, querem é funcionários a trabalhar ao preço da Uva
Mijona, alguns, gente com muita formação a ganhar menos que uma senhora
das limpezas, gente com qualificações que trabalha quase de borla em
municípios e juntas de freguesia mercê daqueles programas muito úteis
instituídos pelo serviço de emprego, a realidade é essa, eles andam
todos a lutar pela Uva Mijona.
Os patrões, os empresários e restante
súcia, também alinha pela mesma musica, na agricultura então o desespero
é tanto que até já importam Uva Mijona do Paquistão, do Bangladeseh ou
da Índia, choram cada cêntimo de que despendem para pagar salários, para
eles tudo se resume a uma indexação do salário à produtividade sabendo
nós, que, segundo nos dizem ela é baixíssima, dizem eles, sendo que
muitos desses senhores, desses patrões e empresários viveriam no Mundo
ideal se fossem os trabalhadores a pagar para trabalhar, “ó tempo volta
para trás” suspiram muitos, aos tempos de antanho onde com grilhões e
chicotes se apanhava de borla toda a Uva Mijona que se quisesse, ó belos
tempos.
Por último os sindicatos, esses vivem
num delicado equilíbrio, por um lado necessitam que haja cada vez mais
Uva Mijona, é disso que vivem é disso que também se alimentam, no
entanto têm de fazer parecer que querem acabar com a dita, por isso as
encenações, mistificações, greves, plenários e manifestações, “panem et
circenses” como disse há mais de dois mil anos o malandreco do Juvenal.
Por outro lado os sindicatos não podem morder aos donos, que são os
partidos políticos, nem querem estar de mal com os patrões, pois nunca
se sabe o amanhã, é portanto deste delicado equilíbrio que vivem os
artistas sindicais.
Em suma meus mui estimados leitores, a
Uva Mijona, que a olhos menos esclarecidos passa por coisa reles, baixa e
própria da ralé, na verdade é dos mais procurados e importantes
produtos desta nossa economiazinha, o desdém com que a tratam é
fictício, qual prestimoso e diligente prestidigitador todo aquele que
fita a Uva Mijona com erótico desejo, desvia daí a atenção dos demais
para que ele e apenas ele possa colher esse fruto.
Fiquem os meus caros leitores com a
fundada certeza de que a importância da Uva Mijona, é hoje ainda maior
do que noutros tempos, em que se trabalhava por meio tostão, desconfiem
dos embelezados discursos que tecem loas ao saber, e sobretudo ao “Trabalho” , porque o que todos querem e procuram com afinco são coisas ao preço da Uva Mijona.
*Roubado de forma vil e sem pudor da fabulosa rábula do saudoso António Silva no filme “Amenina da Rádio” de 1944.
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
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