- Vocês têm tanta coisa interessante em ruínas, porquê?
Esta pergunta fê-la um amigo, que não
vejo fisicamente há imensos anos, tantos quantos têm a pergunta, apesar
de falar de quando em vez com ele, abençoadas as maravilhas da
tecnologia que permitem galgar os milhares de quilómetros que nos
separam, continuamos amigos desde esse tempo ido do século passado em
que passando por um velho convento em ruínas me fez aquela pergunta.
Não tive resposta para lhe dar na
altura, encolhi os ombros e sorri, «Portugal é assim» talvez lhe tenha
dito. Portugal convive mal com a memória, somos para além de um povinho
manso, um povinho desmemoriado, logo condenado, logo à beira da extinção
como de facto estamos.
As memórias, como o sabe qualquer um,
são uma parte importante da pessoa, do ser que somos, não só as memórias
próprias, como as memórias visuais dos locais, como também a memória
colectiva de um povo que serve para o unificar. Infelizmente neste país o
que mais se faz é destruir essas memórias. Vejam-se as nossas cidades,
vilas e mesmo aldeias, arrasadas pela especulação imobiliária,
descaracterizadas, transformadas em sórdidos subúrbios, mercê de uma
corja de autarcas mentecaptos, acoitados pelo lema do progresso.
Ainda há uns tempos alguém me dizia a
proposito de um desses medíocres miseráveis que destruiu a beleza e a
memória de uma terra, “…não sejas assim o homem fez obra…”, respondi-lhe
à moda do velho almirante com um bem pronunciado “bardamerda a obra”,
pois neste país confunde-se muito o alcatrão e cimento a esmo com
progresso, e progresso não é nada disso, progresso é qualidade de vida, o
progresso é preservar as memórias o progresso são espaços verdes, o
progresso é gente com decência, urbanidade e civismo, ao invés disto que
por cá temos.
Quem hoje olhar para as localidades de
Portugal não as reconhece, do ponto de vista da arquitectura, o que se
nos apresenta é um nojo completo, o que até nos faz pensar porque ao que
parece possuímos excelentes arquitectos, no entanto a construção que se
faz é de miserável qualidade, sendo esteticamente medíocre,
descaracterizando por completo as localidades, transformando tudo em
subúrbios miseráveis, olho aqui por exemplo para a minha terreola onde a
preservação foi quase zero e vejo uma enxovia miserável onde o
disparate parece não ter fim.
Pude noutros tempos, viajar muito, ter
um pai camionista permitiu isso, vi centros históricos bem preservados,
apesar de terem sido bombardeados, de terem vivido duas guerras em pouco
mais de quarenta anos, com gente a viver nesses locais, com turismo, vi
memórias bem preservadas, vi ruínas conservadas com desvelo, comparo
com o hoje vejo em Portugal, com muita tristeza constato que por aqui
temos horror à memória, não só não a cuidamos, como tratamos de destruir
o pouco que há na ânsia de sabe-se lá o quê.
Recentemente li alguns artigos em
jornais, escritos por pessoas que se queixam por destruírem as memórias
das suas cidades, Nova Iorque, Londres e agora Lisboa e o Porto, eram o
palco das queixas de quem escreveu esses artigos, acusando o turismo, a
ganância bem como a parvalheira generalizada de terem ou de estarem a
arruinar as memórias dos locais.
Pois é bom que se saiba que essa lavagem
à memória é algo que em terreolas pequenas como por exemplo esta onde
habito tem décadas, desde que se instalou aquilo que chamarei “Síndrome
da Lisboetice”, traduzindo por miúdos, ao invés de preservarem a
construção, a traça típica e original dos locais, adaptada claro está à
modernidade e ao bem estar deste século, para assim criarem elementos
modernos mas diferenciadores, para atraírem visitantes, preservando a
memória, revitalizando os centros históricos, o que fizeram os
inteligentes autarcas por esse Portugal fora, caixotes, e mais caixotes
de cimento, hoje a hashtag seria “#somostodosLisboa”, temos todos de ser
muito modernaços de fazer muitos prédios, miseráveis enxovias que
cairão ao primeiro peido que a Terra der, para sermos muito
desenvolvidos temos de ter muitos prédios, muito cimento e alcatrão,
para claro está deixar obra, às malvas a memória, viva o progresso,
assim se obra em Portugal!
Neste processo de estupidez colectiva,
criaram-se monstruosidades arquitectónicas, nos mais insólitos locais,
mercê da corrupção que ainda grassa nas autarquias, verdadeiras escolas
da corrupção nacional, construiu-se em todo o lado e de qualquer
maneira, desde que fosse alguém importante lá da terra, destruíram
velhinhos bairros inteiros para construir mamarrachos.
- Vocês têm tanta coisa interessante em ruínas, porquê?
Continuo sem conseguir dar uma resposta
coerente à pergunta daquele meu amigo. Somos um povo avesso às memórias,
queremos é esquecer tudo. Quem esquece o passado nunca terá futuro que
preste, quem esquece a sua memória desvirtua a sua condição de ser
pensante, mas como pensar dá muito trabalho, que pense quem quiser.
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
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