segunda-feira, junho 22, 2020

Pela estrada de Damasco…

O título da croniqueta de hoje tem como referência um conhecido episódio bíblico, em que Saulo de Tarso, um acérrimo perseguidor de cristãos viaja pela estrada que ligava Jerusalém a Damasco, a dada altura aparece uma intensa luz que o cega temporariamente, depois uma voz que o interroga sobre o motivo de tão acérrima perseguição aos cristãos, resultado, daquele episódio renasce um novo homem, Paulo o Apóstolo, que será determinante para o crescimento da, há data, nova religião.

Hoje quero também falar-vos de epifanias, e das vezes que eu próprio viajei pela “estrada de Damasco” daí resultando várias epifanias, mas ao contrário porque todas resultaram, não em conversões, mas antes em «desconversões» além de que ao contrário de Saúl eu não andava a perseguir ninguém. No que há religião concerne, fui criado sem grande apego à mesma, felizmente, o meu interesse por essa temática adveio essencialmente de ter ido para os Escuteiros, comecei a interessar-me por religião, fui lendo os evangelhos cristãos, mormente os católicos, mas li também o Corão, li algumas coisas sobre Confúcio, sobre Taoismo e uma coisa levou a outra e num repente estava a ler Nietzsche, Kierkegaard, Platão... resultado, entre constatar a realidade e conhecer por dentro os católicos e as suas instituições, tive a tal epifania reversa, a tal luz intensa na “estrada de Damasco” mas que ao invés de me cegar, antes me abriu os olhos, consequentemente tornei-me ateu, tinha aí uns 17 anos quando cortei de vez com esses delírios, às malvas a padralhada mais as suas patranhices.

Politicamente comecei por estar muito próximo do PCP, o meu avô era um velho comunista, que nos anos 40 havia sido preso várias vezes por actividades subversivas contra o Estado, estivera até na clandestinidade uns tempos, tendo inclusivamente sido publico num jornal o seu obituário, dado como morto mas vivo, pode continuar a sua vida até “ressuscitar”.

Ainda adolescente privei com uma família de comunistas empedernidos, estive com a ficha de adesão preenchida, mas ali existiam coisas que não me convenciam, o discurso para fora não batia com aquilo que faziam, era um caso do famoso adágio “Que bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz não faças o que ele faz.”, participei em reuniões informais do partido, acompanhei comícios e acções ditas de “luta”, vi por dentro os comités disto e daquilo, percebi a orgânica e lá veio de novo um momento “estrada de Damasco”, mais uma epifania ao contrário, reneguei o contacto e adesão aquela maralha de biltres, jamais poderia pertencer a semelhante corja de embusteiros.

Aproximei-me então do PS, por esta altura Soares era o Presidente da república estamos em 1987 e eu entro para a Juventude Socialista, andei por ali, fiz parte das estruturas locais, fiz parte de listas, integrei Assembleias Municipais e comissões políticas, conheci gente boa, pouca, conheci muitos dos mais rematados e execráveis biltres que andam ainda pelo politiquice. Conheci gente de outros partidos, nomeadamente do PSD, conheci os meandros do funcionamento da política nacional, e com 30 e picos anos voltei novamente a percorrer a “estrada de Damasco”, a política é uma imundice, cheia de rebotalho miserável, cortei com isso tudo, fui convidado posteriormente, algumas vezes, mais tarde, para integrar outros partidos, recusei sempre, não me vendo!

E se vos falo disto hoje, é para que percebam, sempre que faço reparos acerca das politiquices, não o faço por rancor, nem ressabiamento, como poderia ser o caso, nem por despeito ou outros interesses obscuros, faço-o porque os conheço. Podem porém dizer-me, atenta que as coisas mudam. Pois mudam, mas este tipo de instituições muda muito pouco, e o que mudam são apenas acções cosméticas que apenas pretendem que a sociedade as acolha, pintam-se as pedras velhas e corroídas com tinta nova, para ficar apelativo e bonito, por fora, lá dentro continuam as mesmas pedras puídas e bolorentas.


Um abraço, deste vosso amigo

Barão da Tróia

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