…durante a tarde que
seguia calma, no gabinete, eu discutia, saudavelmente com um colega de
trabalho, as questões triviais do momento, batem à porta entretanto, – Entre! –
respondo. A porta abre-se e entra uma senhora, vem entregar um documento, para
tal, à boa maneira da burocracia oca deste pardieiro de tontos, tem que
preencher um formulário, enquanto a senhora se senta e começa a preencher o
malfadado papel, eu prossigo a conversa com o colega.
É num momento que
olho para o que a senhora está a escrever, como faço sempre, para evitar
eventuais erros no preenchimento da papelada, vejo cair uma lágrima, que ensopa
o papel, finjo que não dou por isso, retomo a conversa com o colega que olha
pela janela lá para fora para o horizonte onde o sol brilha, onde gostaríamos
de estar.
Entretanto a
senhora, termina de preencher o papel, estendendo-mo para que verifica se está
tudo correcto, coisa que faço maquinalmente, verificando os locais certos para
o preenchimento, o diabo é que a letra é miúda e eu estou cada vez mais
pitosga.
- O senhor veja lá
se está tudo bem preenchido – diz-me enquanto se assoa a um lenço de papel
amarrotado que tira do bolso de um casaco de malha, muito coçado e com borboto.
- Está sim senhora –
respondo.
- É a última baixa
que lhe entrego… – diz-me aquela senhora de mãos sovadas pelo duro trabalho do
campo, com unhas estragadas, nada parecido com essas aberrações de unhas de gel
que por aí se vêem e nos deixam a pensar como é que alguém pode trabalhar no
que quer que seja com unhacas daquele comprimento.
- Ora muito bem –
digo-lhe sorrindo – é sinal que está melhor!
- Antes fosse –
diz-me com um olhar que me pede ajuda, compreensão, compaixão, arrisco até
dizer dó, é no entanto um olhar estranho, há nos seus olhos tristes qualquer
coisa que me escapa.
- Então? –
pergunto-lhe franzindo o sobrolho naquelas expressões que fazemos misto espanto
e desconfiança. A senhora está olhar para mim, no momento que lhe faço a
pergunta a máscara de jovialidade despreocupada que exibia acaba por ruir,
começa a lacrimejar, vejo-lhe as lágrimas a rolar pela face marcada por rugas,
apesar de ser dois anos mais nova que eu, ao lado um do outro ela parece
infinitamente mais velha, prova de que o trabalho duro do campo envelhece
precocemente as pessoas.
- Tenho de me ir
embora… – diz-me entre um ténue soluçar, por esta altura o meu colega, deixou
também de olhar lá para fora está a o meu lado igualmente espantado, encolhe os
ombros quando olho para ele, entretanto a senhora assoa-se novamente fungando
ligeiramente, enquanto as pequenas gotas de água salgada lhe vão rolando pela
face.
- Vai embora, sorte
a sua, eu tenho de ficar aqui, se calhar vai para melhor – digo em tom
brincalhão para amenizar o ar pesado que domina a atmosfera e a conversa.
- Não é isso, é que
sexta-feira o meu ex marido sai da prisão e a primeira coisa que vai fazer é
vir à minha procura para dar cabo de mim, por isso vou ter de sair daqui,
desaparecer sei lá…
Enquanto nos atira
aquela verdadeira bomba, sai porta fora a chorar, eu olhei para o meu colega e
ficámos os dois sem reagir. Esta é a realidade da violência doméstica, ninguém
me contou, eu vi o olhar de terror daquela mulher, aquela mulher estava
aterrorizada, assim vai Portugal o país da impunidade!
P.S. – Há dias foi 25 de
Abril em que comemoramos a Liberdade, a situação que descrevi, mostra que pouco ou
nada mudou neste Portugal miserável de gente medíocre.
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
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