terça-feira, janeiro 22, 2019

O Império dos esquecidos

“Em Abril sentado no meu alpendre vejo a parada passar,
Vejo os meus velhos camaradas orgulhosamente a marchar.
Recordando antigas glórias, todos dobrados e doridos,
Heróis de guerras esquecidas, heróis esquecidos.
E os mais jovens perguntam “Porque estão eles a marchar?”
Pergunto-me o mesmo enquanto a banda está a tocar,
Enquanto eles passam a marchar,
Ano após ano menos aparecem para desfilar,
Temo que um destes dias, ninguém mais irá marchar.”

Tradução livre de um excerto da canção "And The Band Played Waltzing Matilda" dos Pogues ”

Há duas semanas faleceu um amigo, um velho combatente, também ele marchava orgulhosamente no 10 de Junho, agora que felizmente resolveram dar algum relevo e mostrar respeito pelos antigos combatentes, apesar de eu acreditar que o relevo deveria ser dado a todos os veteranos, ou seja a todos os que cumpriram serviço militar em prol desta coisa Pátria, sem prejuízo de mostrarmos o nosso respeito pelos que foram combater, muitas vezes por quimeras patéticas.
Esse meu amigo, foi um dos meus instrutores há trinta anos quando “assentei praça” como se dizia antigamente. Trazia no seu curriculum várias comissões na Guerra Colonial, nos ombros as divisas de sargento. Partiu esse bom amigo, com ele parte mais uma parte de mim, parte uma migalha do fim do Império.
Eu sou um desses filhos dos restos do Império, cresci com histórias de guerra, na escola o meu núcleo duro de amigos tinha um angolano branco, um moçambicano preto e um indiano, nunca ninguém se lhes referia pela cor, mas pelo nome, não eram afro não sei quê ou luso coiso e tal, eram portugueses, eram o João, o Carlos e o Henrique, também eles filhos dos restos desse Império que desapareceria definitivamente em 1999 com a entrega do território do Leal Senado à China.
O Império velho de 500 anos, teve apenas uma década de fulgor, a década de 50 do século XX, no fim dessa década, poucos perceberam que o kurikutela da História galgava barrancos inexorável no seu percurso anunciando que o ouro negro traria novas de um acordo final que acabasse em paz e assim foi, mas foi preciso muita guerra, muita morte, muito sangue, muitas lágrimas e muita dor e o Império findava sem glória.
Muitos gostam de ver os antigos combatentes como exemplos do brio perdido desse sonho imperial, não digo que não haja no meio desses milhares de homens e de mulheres, gente que assim pense, tenho porém que a grande maioria sente-se orgulhoso apenas por ter sobrevivido e por ter feito aquilo que deles se exigia, apesar de depois de 1974 terem sido completamente esquecidos pelo mesmo Estado que os mandou para uma guerra estúpida.
Este meu excelente amigo, já octogenário, dizia sempre que fez o que tinha que fazer pois era militar, não odiava nada nem ninguém, tinha saudades dos camaradas, tinha saudade de ser jovem, de resto não tinha saudades de mais nada, faleceu paz à sua alma, honre-se a sua memória e a todos os que combateram, respeitem-se essas mulheres e homens pela coragem, são os restos do Império que mais uma ou duas décadas serão apenas memórias inscritas em monumentos e manuais de História, fica aqui expressa a minha homenagem.

Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia

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