quarta-feira, janeiro 15, 2014

Onde guardas os teus mortos?



Teria aí uns dez ou onze anos quando me fizeram essa pergunta. Atónito e meio aparvalhado, fiquei sem resposta. Do outro lado um franco sorriso desdentado e decorado de grossas rugas demonstrativas de uma vida de pesares, mirava-me, e continuou – ah filho, a gente tem de ter as pessoas na mimoira, sanão elas desaparecem!
Trinta e tal anos passaram num repente, e depois desse dia, comecei aguardar os meus mortos, que são pedaços da minha vida e das vidas daqueles que de alguma forma me tocaram, com quem ri ou chorei, com quem partilhei alguma coisa, porque a final a vida é isso mesmo é partilha de e moções, o resto, as tricas, as invejas, os boatos e rumores a má-língua e os pequenos ódios, são apenas fumos de uma humanidade que ainda não se conseguiu libertar do supérfluo, se alguma vez o conseguir.
A eles, aos meus mortos, guardo-os a todos num pequeno caderno, com as datas do seu falecimento, são pedaços de mim, são o reflexo de mim, pois como todos nós caminho para a memória, esse é o processo natural da vida, o caminhar cada vez mais leve para a memória. Muitos dos meus mortos, já pouca gente os recorda, se exceptuarmos a família claro, mas a sua passagem pelo mundo está ali gravada a tinta, pronta para resistir à voragem dos séculos.
Não sou religioso, aliás depois de quase duas décadas de pertença a uma organização católica, aprendi a não querer nada com essas coisas, acho piada ao Corão e à Bíblia, versões “embelezadas” da Torah, acho os mantras interessantes mas não tenho pachorra para deuses, ainda que os olimpianos e os dos panteões nórdicos, celtas e mitológicos me cativem pela beleza dos relatos e por descobrir em muitos deles a origem dos dogmas das religiões actuais. Mas cultivo a memória e os meus mortos são parte importante dessa memória.
Eusébio, apesar de não figurar no meu livro, é uma dessas memórias, vi-o ainda jogar, mas não me recordo, teria cinco ou seis anos. Mas a memória que me deixa é extraordinariamente positiva, é a memória, de um país, pobre, sem auto-estradas, sem Internet, sem troika mas feliz e essa memória vou guarda-la para sempre, Eusébio foi um homem, e como homem, cometeu excessos, era um excepcional em muita coisa, sendo a maneira como jogava futebol a que mais cativou o país, que descanse em paz!

Um abraço deste vosso amigo
Barão da Tróia

1 comentário:

Anónimo disse...

pretty nice blog, following :)