Naquela
manhã acordei, a ouvir dizer que Grândola era uma vila morena e que nela o povo
era quem ordenava, foi um alvoroço, agora é que era, saímos da ditadura
opressora e da guerra, – o que será do meu filho – chorava a vizinha cujo filho
permanecia em Angola como soldado! Era a liberdade que aí vinha, receosos,
estavam todos os que não sabiam o que isso era!
Vai
estudar para seres alguém, disseram-me nesses dourados anos oitenta do meu
querido século XX, a Europa está aí não tarda, não podemos perder o comboio,
gritavam uns quantos a plenos pulmões, até a cançoneta “Eu quero ver Portugal
na CEE”, era um sucesso nas matinés, alimentadas a cervejolas e promessas de
experiências com o belo sexo, que quase sempre terminavam em solitárias
sarapitolas por, as medrosas cachopas, se negarem ao acto! A Europa era agora o
grande sonho libertário de um Portugalete, insalubre e de pequenez de
mentalidades ainda obscurecido pelo cinzentismo de 48 anos de privações democráticas.
Um
dia acordei, cumpri o meu dever, pagaram-me com desprezo, agora eram os baixos
salários e a pouca formação que estavam a dar, percebia-se já um azedo de
tragar nessa coisa da Europa, apesar do dinheiro jorrar a rodos, de um dia para
o outro era como virar uma página, quer cem leva antes mil e comece a pagar
daqui a 5, foi o fartar vilanagem os dourados anos do Oásis, do gastar a esmo,
da politiquice cinzenta dos imbecis de vistas curtas, foi o vendaval dos crédito
fácil, do estilhaçar do país, do alcatrão e do betão, dos modelos de
desenvolvimento estúpidos, de autarcas e governantes imbecis!
Quando
me fui deitar ontem percebi que tenho tudo em demasia, tenho estudos a mais,
qualificações a mais, idade a mais, a Europa foi uma mentira, Portugal é uma
farsa, esta democracia uma miragem e este país um embuste, a menos só tenho
dinheiro, logo eu que sempre trabalhei, que sempre descontei, que sempre
contribui, que nunca fui onde não podia ir nem comprei o que não podia comprar!
Bardamerda
para esta terra!
Um
abraço deste vosso amigo
Barão
da Tróia
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