Um destes dias no jornal “O Público”, vi na secção dedicada aos blogues, a referência a um blogue, com um artigo muito interessante, onde o autor descasca na função pública, pode ler o original aqui! A verve descomedida e a completa falta de conhecimento do cavalheiro em questão, suscitam-me alguns comentários, na sua maioria indecorosos e impróprios, para este espaço que se quer familiar, por isso, tecerei apenas algumas considerações acerca das bojardas que este cavalheiro alvitra como quem atira migalhas de bolo-rei.
Diz a certa altura o intelectualmente iluminado cavalheiro. “Nesta terra, há os “filhos” (funcionários públicos) e os “enteados”(…). Depreendo que por “enteados”, o excelso senhor se queira referir a todos os que trabalham no sector privado, os heróis, no dizer de um líder duma associação de patrões. Ora são esses heróis, que deixam os patrões, declarar apenas cem quando eles ganham duzentos, esses heróis invejam a função pública mas são incapazes de lutar pelos seus direitos, esses heróis, vão para o desemprego e continuam a trabalhar e a receber por fora. É evidente que depois existe muita gente explorada no sector privado, que se sujeitava a qualquer coisa, e digo sujeitava, porque mesmo esses nos dias de hoje preferem os rendimentos mínimos e os subsídios de desemprego.
Quero dizer ao meu excelente amigo, que trabalho a contrato na função pública há cerca de dez anos, um dia de trabalho típico dos meus, começa no dia anterior com a preparação das aulas de formação que tenho no dia a seguinte, inicio as minhas funções às nove e trinta da manhã, rigorosamente todos os dias às nove e dez nove ou vinte já o meu local de trabalho está pronto para funcionar quando abrir às dez. Dou formação em informática até às doze e trinta, volto a dar formação das dezassete às dezoito, entrementes das catorze às dezassete, zelo para que os utentes do espaço Internet consigam fazre aquilo que pretendem, atendo gente que vem renovar a carta, enviar declarações de IRS, marcar consultas no centro de saúde, estrangeiros com marcações no SEF, ajudo a fazer currículos e procurar emprego, atendo pessoas que vem por questões relacionadas com a segurança social e ainda consigo ajudar as pessoas que utilizam a rede sem fios a configurar os computadores para aceder à rede e ou a utilizar alguma aplicação, resta dizer que recebemos no Verão muitos estrangeiros o que é uma complicação porque eles raramente percebem português, resta dizer que falo e escrevo em quatro línguas para além do português e que ao fim do mês levo para casa cerca de seiscentos euros de ordenado.
Ao contrário dos “enteados” que o iluminado senhor referencia eu não posso estar no café da esquina a beber minis às cinco da tarde, ao contrário dos “enteados” eu não recebo um valor e declaro outro, ao contrário dos “enteados” que realmente vivem numa “bolha fictícia” como o preclaro senhor alude, eu vivo realmente na dura realidade de estar sempre à espera do dia de São Receber, esperando que no próximo ano mesmo assim me voltem a dar trabalho. Vivo escravo de uma dívida a trinta anos para pagar a casa ao banco, o meu telemóvel tem seis anos, a aparelhagem trinta e não tenho plasma nem LCD. Sou apenas um dos milhares de funcionários públicos que se sentem ofendidos, com o seu artigo imbecil.
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
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