Numa insuspeita matina, batida pelo malvado Bóreas, que sopra das serranias, inundando de frios e tremeliques a malta aqui da lezíria, saí da minha barraca e fui beber um café à tasca do lado, já que a maquineta do serviço está avariada, entrei, cheguei-me ao balcão pedi um arábica robusta bem quentinho e pus-me a observar a fauna.
A tasca estava cheia, apinhada com a creme de la merde da Portugalidade urbana, leia-se labrega, eu incluído, dos dias correntes. Ao fundo três aposentados, todos abaixo dos 60 anos, bebericavam um Porto, maltinha porreira esta, reformazita de mil e tal euros, e deixa cantar a carriça, com certeza que conhecem o estilo muito anel e fio de ouro com o tal Cristo, pulseira com o santinho, olho rápido e sempre atento, sobre o traseiro das piquenas que passam, bocas mais ou menos descaradas à empregadita do local, enfim o Portuga típico.
Três mesas ocupadas com a fina-flor dos subsídio-dependentes, as madames e os cavalheiros, de cultura elevadíssima, rodeados de fedelhos, geração floribela/morangos, enquanto os papás papam a meia de leite a torrada, a sandes mista e bolinho, os fedelhos desenfastiam-se com bolicaus, gomas ou outro qualquer desses excelentes alimentos próprios para estas pobres crianças, nas mesas destas criaturas estão sempre em mostra os telemóveis topo gama, que além do estatuto que conferem ao seu dono, estão sempre apetrechados com a última música do pimbalhão de que gostam e que a destempo toca na máxima força, violando os tímpanos do incauto cliente com suaves melodias, tipo “bacalhau quer alho”, “ parti e não voltei”, “ dá-me gasolina” entre outras pérolas da arte musical.
Esta malta, vive dos rendimentos mínimos dos subsídios de desemprego, apesar de alguns trabalharem. O inevitável cigarro, enche de fumarada o local e os pulmõezitos dos pequenotes, mas que interessa isso a rataria está feliz, vive como qualquer burguês desafogado, pequeno-almoço na pastelaria, dinheiro no bolso para tabaco e carregamentos de telemóveis.
Noutra mesa, os empresários de sucesso, alguns com dívidas de bradar aos céus, empanturram os anafados traseiros com bolinhos cheios de creme e discutem negociatas, subvencionadas a fundo perdido pela incomensurável bondade comunitária, uma montra de vaidades, de sacripantas que mal fizeram a 4ª classe, mas como são dotados para o chico-espertismo, dedicaram-se à subsídio cultura do nosso infeliz país.
Numa outra mesa, meia dúzia de adolescentes parvas, berram umas com as outras, riem e debicam os bolinhos, gomas e demais porcarias que esta gentinha come agora, ninguém lê um jornal, ninguém lê um livro, na televisão desfila o programa típico e preferido deste tipo de casas e deste tipo de clientes, o programa da manhã da TVI, esse momento alto de televisão.
Saio como entrei transido pelo frio e pelo absurdo desta sociedade de mentecaptos, amanhã, porque sou burro, vou voltar ao mesmo balcão pedir outro café, que trago e pago em cinco minutos, voltando a sair com a mesma sensação de tristeza e de impotência, de desespero e de choque. Assim se percebe, neste microcosmo de insanidade o mal em que navega Portugal.
Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia
21 comentários:
Miguel mas isto foi o que vimos toda a semana aqui ao lado! mas muito bem ilustrado, tá demais.
Amanhã à mesma hora, sou eu a pagar.
".......
voltando a sair com a mesma sensação de tristeza e de impotência, de desespero e de choque. Assim se percebe, neste microcosmo de insanidade o mal em que navega Portugal.
..."
é ... tens toda a razão ... e a culpa é de cada um de nós
bjs
Caro barão,
É essa a mole humana que interessa aos governantes. Já chega de tanto filho da plebe mal cheirosa e rasca a tirar cursos superiores. Há que voltar a pô-los no lugar de onde nunca deveriam ter saído.
Estratégia? Aumento do custo de vida e impostos, programas de m***** na televisão para embrutecer calhau e depois…olha, a tiragem semanal das revistas cor-de-rosa é superior à venda anual de qualquer livro digno de se ler.
O retrato com que te deparas todos os dias é igual ao que eu também vejo…é assim Portugal.
Um abraço
4 anitos... lá pelo Micróbio! :-)
Pelo que se depreende pela tua narrativa , o único trabalhdor do sitio eram os empregados da tasca e VOSSA SENHORIA.
Um postal digno deste PORTUGAL.
touaqui42
Percebo. Bem demais.É desmotivador! Um deserto.
Eu também vejo disso às vezes, mas como também não costumo muito ir ao café...
Chiça!! Escreves mesmo bem, pá!!!!
Abraço!
passei para te ler e deixar votos de um bom fim de semana.
beijinhos
...safa! porque será que os cafés estão habitados por tantos cidadãos sempre iguais?!...é zarpar mal seja servido a tal bica...pois é tempo de andar de café num termozito;)boa semana
bom fim de semana
Bj
Como dizia o outro: "O que é que querem é a vida?!" E tal como uma andorinha não faz a primavera, um revoltado ou dois não muda este país. Melhores dias hão-de vir
Viva:
Pobre Barão... :-)
Café assim... nem adoça.
Bom fim de semana.
Um abraço,
Caro Barão,
Venho visitá-lo e, como sempre, encontro uma excelente análise sua deste nosso Portugal que nos coube em triste sorte. Os cafés, os cafés, microcosmos da portugalidade... Na minha perspectiva anarquista, o mal de tanta boçalidade está nos sucessivos governos que desgovernaram este país. Ou seja, para proteger os seus interesses particulares, foi e é tarefa básica do poder manter a desinformação: quanto mais ignorante o povo, mais fácil a falcatrua, a corrupção.
Bom fim de semana
Esta foi das caricaturas mais fieis que li nos últimos tempos.
E viva a Tuga!
Eu li, ia rindo enquanto lia e depois pensei, não somos piores do que os outros, não conseguimos é ser melhor que nós próprios! Eu tento, mas é difícil! Afinal, já dizia o outro; "pode alguém ser quem não é?"
Obrigado e obrigado outra vez, por me lembrares de onde venho (às vezes quase me esqueço)
Portugal um pedaço de terra transformado num pedaço de merda a beira mar plantado pelos novos fascistas
Não adianta viajarmos por este país: aqui, como aí, o cenário e os actores não mudam... hábitos de ricos, bolsa de pobres...
Tem um bom resto de semana.
É por essas e por outras que Salazar e Cunhal foram eleitos os 2 maiores portugueses de sempre. Viva o bom humor português!
Todos somos culpados, acho eu. Porque uma nação é o colectivo do seu povo. É triste, na verdade.
Beijos
Ó Barão! Queres vir ao jantar dos Bloguistas no dia 14 de Abril? Seria muito giro!
Espero por ti!
Vai ao meu blog ver como te podes inscrever.
Abração!
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