Teria aí uns dez ou onze anos quando me fizeram essa
pergunta. Atónito e meio aparvalhado, fiquei sem resposta. Do outro lado um
franco sorriso desdentado e decorado de grossas rugas demonstrativas de uma
vida de pesares, mirava-me, e continuou – ah filho, a gente tem de ter as
pessoas na mimoira, sanão elas desaparecem!
Trinta e tal anos passaram num repente, e depois
desse dia, comecei aguardar os meus mortos, que são pedaços da minha vida e das
vidas daqueles que de alguma forma me tocaram, com quem ri ou chorei, com quem
partilhei alguma coisa, porque a final a vida é isso mesmo é partilha de e
moções, o resto, as tricas, as invejas, os boatos e rumores a má-língua e os
pequenos ódios, são apenas fumos de uma humanidade que ainda não se conseguiu
libertar do supérfluo, se alguma vez o conseguir.
A eles, aos meus mortos, guardo-os a todos num
pequeno caderno, com as datas do seu falecimento, são pedaços de mim, são o
reflexo de mim, pois como todos nós caminho para a memória, esse é o processo
natural da vida, o caminhar cada vez mais leve para a memória. Muitos dos meus
mortos, já pouca gente os recorda, se exceptuarmos a família claro, mas a sua
passagem pelo mundo está ali gravada a tinta, pronta para resistir à voragem dos
séculos.
Não sou religioso, aliás depois de quase duas décadas
de pertença a uma organização católica, aprendi a não querer nada com essas
coisas, acho piada ao Corão e à Bíblia, versões “embelezadas” da Torah, acho os
mantras interessantes mas não tenho pachorra para deuses, ainda que os
olimpianos e os dos panteões nórdicos, celtas e mitológicos me cativem pela
beleza dos relatos e por descobrir em muitos deles a origem dos dogmas das
religiões actuais. Mas cultivo a memória e os meus mortos são parte importante
dessa memória.
Eusébio, apesar de não figurar no meu livro, é uma
dessas memórias, vi-o ainda jogar, mas não me recordo, teria cinco ou seis
anos. Mas a memória que me deixa é extraordinariamente positiva, é a memória,
de um país, pobre, sem auto-estradas, sem Internet, sem troika mas feliz e essa
memória vou guarda-la para sempre, Eusébio foi um homem, e como homem, cometeu
excessos, era um excepcional em muita coisa, sendo a maneira como jogava
futebol a que mais cativou o país, que descanse em paz!
Um abraço deste vosso amigo
Barão da Tróia
1 comentário:
pretty nice blog, following :)
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