O dia
dealbava, Mercúrio cavalgava o céu num largo arco anunciando a chegada do rei
celeste resplendoroso, ao de cima das águas uma ligeira neblina denunciava o ar
quente que fazia evaporar lentamente o aquífero, no éter meio nevoso os pardais
chilreavam de prazer, anunciando aos rivais a posse dos seus territórios, abaixo
da linha de água, as lestas enguias caminhavam para as tocas, as bogas
brincalhonas saltitavam, mais longe, o grande “tchapppp” sonoro das grandes
carpas, que deixavam a água prenhe de círculos concêntricos, acordava a manhã,
o escuro breu fugia para Este procurando a sombra protectora da sua amada
Selene.
Na
margem, o homem afadigava-se a deitar à água os anzóis, primeiro um, empatado
com o desvelo de um profissional dedicado, depois outro, e mais um terceiro,
apensos a outras tantas canas, terminada a tarefa, pensou para consigo – vou para
a carrinha e passo pelas brasas – dito e feito, arriou um pouco o banco e
fechou os olhos sonhando com um mundo em que não estivesse, como está à beira
do desemprego, afinal era ainda um homem jovem, tramado apenas por uma conjuntura
pouco favorável e pela cruz de ter nascido num país miserável, governado por
ineptos e incapazes.
- Ora
bom dia! O amigo tem licença para pescar!
Foi
assim que acordou do pequeno transe induzido pelo mavioso Morfeu, respondeu
afirmativamente, endireitando-se no assento da carrinha e abrindo a porta para
vir à fala com o representante da autoridade. O outro barrete enfiado no
cocuruto continuou, - então tem licença e não sabe que não pode pescar com três
canas!
Atónito,
olhou para o homem sem sabe o que responder. Era um dia de semana, aproveitara
para ir espairecer, o patrão tinha trabalho uns dias, outros não, ganhava à
míngua, má hora em que viera pescar, as malvadas Parcas, tinham urdido as más
teias.
Sem
bem perceber e já estava no posto da guarda, material apreendido, auto tomado e
indicação para esperar pela apresentação em sede judicial. Dois dias depois da
ocorrência, estava já frente ao Juiz, pena passada, 20 dias de prisão remíveis
a multa pecuniária de 80 Euros, o malvado meliante piscatório estava
sentenciado, o seu hediondo crime sancionado, a beleza, a justeza e a presteza da
justiça portuguesa efectuada a contento em todo o seu esplendor.
No
mesmo dia em que essa coisa vergonhosa chamada Justiça portuguesa, ilibava um
Isaltino, um pobre homem honesto e trabalhador, à beira do desemprego era
detido e posteriormente condenado, por ter três canas à pesca, crime
violentíssimo, nada comparado em grau de violência, ao de todos os assassinos, violadores, corruptos, vigaristas e ladrões que escapam impunes, pelo qual foi condenado na forma que acima se descreveu. Este
país é surreal, este país é uma grande MERDA, pobres de todos os que tenham de
viver em semelhante estrumeira a que pomposamente se insiste em chamar país!
P.S. –
A história do pescador é verdadeira, contada pelo próprio, vi inclusive o auto,
a sentença e o recibo da multa, que o mesmo pagou mas, e muito bem, pediu que
fosse atribuída a uma instituição de solidariedade social.
Um
abraço, deste vosso amigo
Barão
da Tróia
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