terça-feira, maio 15, 2012

As canas do pescador – Relato de um crime hediondo!


O dia dealbava, Mercúrio cavalgava o céu num largo arco anunciando a chegada do rei celeste resplendoroso, ao de cima das águas uma ligeira neblina denunciava o ar quente que fazia evaporar lentamente o aquífero, no éter meio nevoso os pardais chilreavam de prazer, anunciando aos rivais a posse dos seus territórios, abaixo da linha de água, as lestas enguias caminhavam para as tocas, as bogas brincalhonas saltitavam, mais longe, o grande “tchapppp” sonoro das grandes carpas, que deixavam a água prenhe de círculos concêntricos, acordava a manhã, o escuro breu fugia para Este procurando a sombra protectora da sua amada Selene.
Na margem, o homem afadigava-se a deitar à água os anzóis, primeiro um, empatado com o desvelo de um profissional dedicado, depois outro, e mais um terceiro, apensos a outras tantas canas, terminada a tarefa, pensou para consigo – vou para a carrinha e passo pelas brasas – dito e feito, arriou um pouco o banco e fechou os olhos sonhando com um mundo em que não estivesse, como está à beira do desemprego, afinal era ainda um homem jovem, tramado apenas por uma conjuntura pouco favorável e pela cruz de ter nascido num país miserável, governado por ineptos e incapazes.
- Ora bom dia! O amigo tem licença para pescar!
Foi assim que acordou do pequeno transe induzido pelo mavioso Morfeu, respondeu afirmativamente, endireitando-se no assento da carrinha e abrindo a porta para vir à fala com o representante da autoridade. O outro barrete enfiado no cocuruto continuou, - então tem licença e não sabe que não pode pescar com três canas!
Atónito, olhou para o homem sem sabe o que responder. Era um dia de semana, aproveitara para ir espairecer, o patrão tinha trabalho uns dias, outros não, ganhava à míngua, má hora em que viera pescar, as malvadas Parcas, tinham urdido as más teias.
Sem bem perceber e já estava no posto da guarda, material apreendido, auto tomado e indicação para esperar pela apresentação em sede judicial. Dois dias depois da ocorrência, estava já frente ao Juiz, pena passada, 20 dias de prisão remíveis a multa pecuniária de 80 Euros, o malvado meliante piscatório estava sentenciado, o seu hediondo crime sancionado, a beleza, a justeza e a presteza da justiça portuguesa efectuada a contento em todo o seu esplendor.
No mesmo dia em que essa coisa vergonhosa chamada Justiça portuguesa, ilibava um Isaltino, um pobre homem honesto e trabalhador, à beira do desemprego era detido e posteriormente condenado, por ter três canas à pesca, crime violentíssimo, nada comparado em grau de violência, ao de todos os assassinos, violadores, corruptos, vigaristas e ladrões que escapam impunes, pelo qual foi condenado na forma que acima se descreveu. Este país é surreal, este país é uma grande MERDA, pobres de todos os que tenham de viver em semelhante estrumeira a que pomposamente se insiste em chamar país!

P.S. – A história do pescador é verdadeira, contada pelo próprio, vi inclusive o auto, a sentença e o recibo da multa, que o mesmo pagou mas, e muito bem, pediu que fosse atribuída a uma instituição de solidariedade social.   

Um abraço, deste vosso amigo
Barão da Tróia

Sem comentários: